sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Espadas, espadas, espadas...


Qual a melhor espada para você? 


Quando você começa a treinar swordplay muitas coisas vem na sua cabeça. E provavelmente uma das perguntas mais comuns é justamente qual é a melhor espada para ser usada. Eu garanto a você que esta pergunta já gerou dezenas e centenas de milhares de flame wars na internet. Todo mundo que luta ou que treina algum tipo de esgrima tem a sua espada favorita. Isso seja lá por que motivo for. Tem gente que se agarra a motivos históricos, tem gente que se agarra a ideia de vídeos que viu em algum lugar da internet, tem gente que conclama que a espada de determinado anime ou seriado é melhor que a de outra... Enfim não é mesmo sobre isso que eu quero discutir. 

Se você olhar com atenção o título deste texto vai perceber que eu coloquei uma particularidade na pergunta. Eu perguntei "para você". Mas quando eu fiz isso eu não estava tratando apenas de uma questão de opinião. A pergunta que eu faço atravessa o subjetivismo com uma certa clareza e pergunta de maneira distinta qual é a espada mais indicada para você. Sim, você que está lendo isso.  

A melhor maneira de responder esta pergunta é através do empirismo. Ou seja você, caro leitor, é quem deve experimentar todas as espadas que você puder e assim escolher o estilo de luta que mais lhe agrada. O meu conselho, neste caso, é que você vá com o espírito aberto e "desarmado". Se você já for para experimentar as espadas pensando que esta ou aquela já é, automaticamente melhor, e que você está apenas confirmando isso, você está fazendo errado. É um péssimo começo. Vá experimentar sem medo de se descobrir fã desta espada ou daquele estilo em detrimento de outro. Não existe nada de errado em mudar de ideia. "Só não muda de ideia quem não tem ideia".  

Eu mesmo comecei swordplay achando que a espada japonesa era o que havia de mais avançado quando assunto era esgrima. Pode parar de rir, você aí que está fazendo tranças no cabelo, usando uma bata azul com o que parece ser um corvo estampado no meio do peito. Eu vim direto do kenjutsu para o swordplay. Nada mais natural que eu achasse mesmo que a espada Samurai fosse melhor que todas as outras. Com o passar do tempo me identifiquei mais com a esgrima alemã e depois disso passei a usar o escudo. Hoje eu sei que não existem espadas melhores ou piores do que outras, especialmente quando vamos jogar boffer swordplay. Existe apenas uma questão muito pessoal de gosto. Mas a espada que mais se adequa a mim, as minhas necessidades, é a espada longa de uma mão e meia, usada em conjunto com escudo. 

Mas eu só cheguei a esta conclusão quando eu passei a ser honesto comigo mesmo e quando eu passei a querer realmente encontrar a espada que melhor se adequasse ao meu estilo de luta. Se eu continuasse preso aos antigos estereótipos que eu tinha provavelmente eu seria um infeliz espadachim usando uma katana e uma wakizashi. 

Então o meu conselho para você e vai em frente e experimente o máximo de espadas que você puder. Descubra aquela que melhor serve aos seus propósitos e objetivos dentro do jogo. E não tenha medo de mudar de arma ou categoria apenas porque você já tem um certo nível na sua arma ou categoria antiga. O importante neste caso é que você se divirta.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Orgulho

O leitor Daniel Aureliano sugeriu como tema "quando o orgulho atrapalha do desenvolvimento da pratica". Segue abaixo Daniel. Obrigado pela dica.
 
De acordo com pesquisa da universidade de Oxford na década de oitenta, o português figurava entre os 10 idiomas mais difíceis de aprender em todo o mundo. Nova pesquisa realizada no começo dos anos 2000 deixou o português de fora. Não figurava mais nem no top 10. Eu achei um grande equivoco. O português é uma das línguas mais difíceis de aprender. Mas não é por sua gramática – que é complicada, sem dúvida, mas nada fora do comum – mas por suas pequenas exceções e particularidades. Pegue a palavra “manga”, por exemplo. Ela pode se referir a manga da camisa, pode se referir à fruta, pode se referir ao verbo mangar (rir de alguém, fazer troça, zoar) e ainda pode ser associado ao quadrinho japonês (mangá). Como é que uma íngua dessas não é complicada, meu deus?

Mas é no swordplay que a língua portuguesa lança alguns de seus mais interessantes dilemas semânticos. Uma palavra que usamos o tempo todo, mas que pode ser ao mesmo tempo a fortaleza ou a ruina de um jogador ou grupo. Falo da palavra “orgulho”.

Existem duas formas dialéticas de se compreender o Orgulho. Uma delas diz respeito ao “sentimento de prazer, de grande satisfação com o próprio valor, com a própria honra”; a outra versa exatamente sobre  “sentimento egoísta, admiração pelo próprio mérito, excesso de amor-próprio; arrogância, soberba”. Assim, o termo pode ser empregado tanto como sinônimo de soberba e arrogância, quanto para indicar dignidade ou brio de alguém ou de alguma coisa.

Filosoficamente não se pode classificar o orgulho como uma virtude, uma vez que ele não é uma ação voluntária e sim um sentimento. A grande questão é que, como sentimento, muitas pessoas não aprenderam a controlar seus sentimentos e usá-los a seu favor.

Em um primeiro vislumbre não existe nada de errado em se orgulhar de alguma coisa. Você fez uma espada bonita e que todo mundo elogia; o seu grupo é conhecido por luar bem e ser honesto e honrado no campo de batalha; seus colegas são famosos por falarem a verdade. Não, não existe nada de errado em se orgulhar de coisas assim. O problema é quando orgulho vem em excesso. O orgulho em excesso pode se transformar em vaidade, ostentação, e soberba. Isso tudo pode levar o indivíduo (ou o grupo, em alguns casos) ao chamado egoísmo, sendo visto como uma emoção negativa. Uma nova evolução pode realmente acontecer: a passagem do Orgulho para a Arrogância, se ela não o for constantemente patrulhada com nossa Sabedoria.

Neste caso em que se estabelece uma relação entre orgulho e arrogância, ela se torna um tipo de satisfação incondicional. Quando os próprios valores do grupo ou do indivíduo são superestimados levam as pessoas a acreditarem ser melhores ou mais importantes do que os outros. E esse é um sentimento desagregador, que causa cisão entre os membros de um grupo.

Nunca é demais lembrar-se de que nenhum de nós é melhor que todos nós juntos. O fato de eu ter uma espada ou um escudo melhor do que você, não me faz melhor. O fato de eu lutar bem não significa nada além disso, e só deveria ser motivo de satisfação até um limite onde eu posso empolgar os outros ou ensiná-los a serem tão bons como eu.


O trabalho de combater o orgulho no esporte deve vir de todos os lados. Devemos ser vigilantes não apenas com o comportamento do outro, mas com o nosso mesmo a fim de evitarmos que ele deixe de ser um sentimento positivo de auto realização e se torne algo destrutivo. 

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Honra!

O leitor e cartomante Giovanni Borghi de Vasconcellos pediu (ou previu) que eu escrevesse (ou escreveria) um texto sobre a relação honra-honestidade x trapaça-ma fé. Eis o resultado abaixo.
  
Eu me recordo de muitas lições importantes que eu aprendi enquanto treinava kenjutsu no Instituto Niten, em Brasília, sob a atenta supervisão do Senpai Ricardo Lopes. E uma dessas lições ajudou a moldar o meu caráter de forma indelével.

Era uma tarde de outono e estávamos treinando no clube militar do SMU de Brasília. Era uma quadra poli esportiva muito bonita, mas razoavelmente mal cuidada. No final daquela tarde houve alguns shiais (lutas simples) entre os membros mais graduados. Um espetáculo de técnica, estratégia e habilidade. Um desses shiais, já feito em completa penumbra, revelou a luta entre dois senpais muito graduados. Foi lindo e no final um deles – acredito eu que o menos graduado – sagrou-se vencedor. Quando foi anunciada a sua vitória ele mal podia acreditar e permitiu-se uma tímida comemoração. Nada mais que um simples puxão de punho em direção ao peito (o famoso yes!).

Eis que o Senpai Ricardo imediatamente alterou o resultado da luta, dando a vitória para o outro lutador. A explicação foi lacônica: “na vitória ou na derrota as virtudes do bushidô devem prevalecer sobre nossos sentimentos”.

E o que foi que o lutador fez de tão errado? Ao comemorar a vitória ele esqueceu-se de três virtudes do caminho do guerreiro: o Rei (Respeito), o Makoto (Honestidade) e o Meiyo (Honra). Sim, tudo isso com um simples yes!

Foi neste dia que eu aprendi esta valiosa lição que agora compartilho com vocês. Seguir o caminho do guerreiro é dar ênfase à lealdade, fidelidade, coragem, justiça, educação, humildade, compaixão, honra e acima de tudo, viver e morrer com dignidade. Ou seja, ser honrado significa ser o juiz de si mesmo. As escolhas que você faz e como você trabalha para obtê-las são um reflexo de quem você realmente é. Você pode se esconder dos outros e até mentir para eles, mas você não pode se esconder de si mesmo.

E no boffer swordplay poucas coisas são tão valiosas quanto o tripé das virtudes Honra-Honestidade- Humildade (que são, não por acaso, o lema não escrito da Aliança de Beufort). Sabe por quê? Porque, diferentemente de outros esportes de contato, no boffer swordplay, eu preciso confiar na palavra do outro. Enquanto que em outros esportes a catimba, a trapaça, e a mentira são valorizados (gol de mão é mais gostoso...), no swordplay a honestidade, a verdade e a honra é que são valorados. Melhor perder honestamente do que vencer trapaceando.

E justamente essa é ao mesmo tempo a maior fortaleza e maior fraqueza do swordplay: como eu preciso acreditar na palavra do outro, eu só vou saber que ele está mentindo em situações muito óbvias. Mesmo. Dessas que não se pode mesmo esconder. Uma pessoa que queira trapacear ou agir de má fé tem diante de si um terreno amplo e fértil. Afinal de contas, quantas vezes já não no deparamos com pessoas que não aceitam golpes que recebem (os famosos higlanders) ou que são direcionadores de golpes (os não tão famosos drivers)? Só para esclarecer um highlander jamais é atingido, mas um driver é um cara que quando é atingido perto do ombro diz que você o atingiu no pescoço ou em outra área proibida.

E como resolver essa questão? Não é uma coisa simples. Como um bom “advogado do diabo” eu sempre procuro ver todos os lados de uma questão. Pode ser que a pessoa não tenha sentido o golpe mesmo, ou pode ser que ela ainda não tenha entendido que viver e morrer de forma honrosa seja mais importante do que vencer no swordplay. Pode ser que ela ache mesmo que ninguém está vendo, ou que ela ache que assim como ela usa o “jeitinho” brasileiro para se safar de outras situações, pode fazer o mesmo com o swordplay.

De qualquer forma é uma situação espinhosa. Eu sempre comparo isso a dizer para alguém que o seu desodorante venceu ou que ele está com mau hálito... Nunca é uma tarefa fácil.

O que eu posso garantir que funciona à longo prazo é a educação contínua de seus colegas de treino e de você mesmo. É relembrar, de tempos em tempos, que essas práticas não são permitidas, desejadas ou mesmo incentivadas. Que é “feio e errado” trapacear no jogo. Não respeitar as regras é um ato essencialmente egoísta: em busca de uma falsa satisfação de que se é o melhor, você estraga a diversão de todo mundo à sua volta. Sério... Não dá para ter respeito por gente que age dessa maneira.
Em casos rotineiros uma boa conversa e alguma supervisão personalizada costumam resolver. Em casos mais graves uma bronca, e quando a pessoa não aprende mesmo, a suspensão dos treinos e até expulsão. Ou se aprende por bem, ou se aprende por mal.

“E como é que se faz quando o problema está acontecendo num evento? No EPS desse ano eu vi um grupo que não morria nem que dessem um tiro de 38 na cara deles.” Disse a líder de clã com uma bata fashion cor de vinho com borda dourada. Daí eu não sei. Eu tentaria conversar com o líder do clã em questão e se não desse resultado eu falaria com o pessoal do evento. Se mesmo assim não funcionasse eu tentaria evitar esse pessoal em campo de batalha. Neste caso o ostracismo parece ser um remédio amargo mas eficaz.

“Mas e se eu quiser bater de volta no cara, com mais força, para curar o higlanderismo dele na base da porrada?” pergunta o rapaz barbudo, meio clone de Ragnar, com óculos escuros e bata vermelha e amarela. Você pode, claro. Mas eu não aconselho. Aliás eu enfatizo que você não deve fazer disso. Não se cura o mal com o mal.

Então, era isso. Até a próxima. 


A Importância da Malícia e da Cautela nas Relações Sociais no Swordplay

Na complexidade das relações humanas, é inevitável que, independentemente de quão bons sejamos e de quanto nos importemos com os outros, sem...