domingo, 19 de agosto de 2018

É o meu futebol


Uma das coisas que eu mais trabalho nesta vida é com definições. Conceituações. Dar o nome e a definição correta a cada termo para poder usa-los adequadamente para construir uma narrativa, uma explicação ou mesmo construir um conceito.

Para que haja uma comunicação eficaz, ambos os interlocutores tem de falar o mesmo idioma e ter clareza dos mesmos termos. Caso contrário, a comunicação e a compreensão da mensagem ficam prejudicadas. Observe por exemplo a palavra “escudeiro”, usada com tanta frequência em nosso meio. Ela pode designar ao mesmo tempo a pessoa que luta usando o escudo combinado com outra arma e o servidor ou pajem que carregava o escudo de um cavalheiro, acompanhando-o na guerra. Ela também pode significar um cavaleiro em treinamento, ou mesmo um título de nobreza baixo. É claro que num bate papo de amigos sobre swordplay quando eu uso a palavra escudeiro estou me referindo a quem usa escudo. Mas se eu estiver falando de idade média eu me refiro ao pajem.

Por isso, dar definições adequadas ao swordplay e suas práticas é uma coisa que me persegue. Eu já fiz algumas digressões sobre isso aqui (http://swordplaydobetao.blogspot.com/2017/06/esclarecimentos-definicoes-e-objetivos.html) mas queria hoje fazer mais um aprofundamento.

Aproveito para começar o texto pegando emprestado a frase de Kyo Tachibana Santos, dada em entrevista ao programa “Encontro com Fátima Bernardes”, quando ele diz que “este (esporte, no caso o swordplay) é o meu futebol”. Sempre gostei de analogias sobre o esporte favorito dos bretões e portanto começarei por ele.

Existem diversas modalidades esportivas que atendem por futebol. Tem o futebol de campo (o mais famoso), o futebol de salão, o futebol de praia, o futebol americano (que não é bem um futebol mesmo...), o futebol de botão... é tudo futebol. Cada categoria de futebol é independente uma da outra e ninguém as vê como alguma fase introdutória para se chegar a outra. Você pode migrar regras de uma modalidade para outra, mas no fim tudo é futebol e todas são diferentes.

Com o swordplay é a mesma coisa. Existe o boffer, o softcombat, o hema, a esgrima, a recriação histórica, o kendô... todos lidam com espada, mas cada um é um universo em si mesma.

O grande erro das pessoas, a meu ver, é tentar trazer para a sua modalidade favorita características de outras modalidades. É mais ou menos como uma pessoa que adora futebol de campo e quer usar chuteiras numa partida de futebol de areia. Não dá muito certo.

Outro ponto a ser considerado é que embora muitos jogadores transitem entre as diversas modalidade de swordplay nenhuma delas funciona como uma “escada” o como “um ponto de iniciantes para as outras”. Assim como o futebol de salão não é a versão para novatos do futebol de campo, o boffer swordplay não é a versão para iniciantes do hema ou de qualquer outra categoria. Quem não gosta das dimensões do campo ou do tamanho da bola do futebol de salão, muda para o futebol de campo e não tenta trazer o campo gramado ou a bola da copa do mundo (jabulaaaani!) para o futebol de salão. Se você treina kendô, você não vai levar para o treino uma espada chinesa ou um escudo viking. Pelo menos, deveria ser assim.

Claro que aqui o objetivo não é cagar regras. Se você acha que as regras do boffer não são adequadas para você e você não quer migrar para outra categoria pode tentar fazer uma das três coisas abaixo:

Criar uma categoria nova

Mudar as regras no seu grupo

Propor e convencer outros grupos a fazerem a mudança junto com você.

Seja lá o que você for fazer é bom ter em mente, com muita clareza, o que você quer. Você quer uma coisa mais realista? Você quer a possibilidade de fazer ataques de carga? Chutar escudos? Usar as regras de combate medieval desarmado? Usar armaduras e armas de metal? Fazer valer apenas os golpes que acertam em cheio? Banir para sempre “jutsus” e posturas de anime? Proibir regras de magia ou poderes sobrenaturais? Acertar a cabeça e os genitais dos colegas? Se você quer uma delas ou mais de uma eu tenho duas notícias para você:

Primeiro: a modalidade que você quer já existe.

Segundo: ela não é o boffer swordplay.

Um comentário:

  1. Texto perfeito. O típico "toque" que tem que ser dado na galera pra entenderem de uma vez por todas que existem diversas modalidades de combate, mas que todas são independentes umas das outras e não refletem a totalidade em si, apenas parcelas.
    Sou adepto de regras conhecidas aqui no RJ como "regras de desmembramento" (acerta o braço, não pode utiliza-lo. Acerta a perna, não pode saltar, correr ou andar normalmente, apenas arrastando a perna, etc...), mas sou adepto dessas regras pois uso o swordplay como regra de combate para LARP medieval. Ainda assim, vejo que tem gente que não aceita ou fica querendo mudar as regras, às vezes até criticando o grupo todo por não gostar das regras.
    Só que eu sigo a premissa de, se está insatisfeito, ou senta-se pra debater e apresentar propostas concretas, ou a porta da rua é serventia da casa. Só não acho certo ficarem tentando inserir Hema, esgrima, etc e tal em outra "modalidade" já definida no grupo, só porque "você prefere assim".
    Acho que não é só questão de avaliar e criar/modificar regras. Acho que tem que rolar um respeito, pois se um grupo pratica algo há alguns anos, é porque testou e reavaliou diversas vezes as regras para segurança e participação de todos.

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