sexta-feira, 30 de junho de 2017

Esclarecimentos, definições e objetivos.

Faz pouco tempo eu fui brindado com um vídeo de uma “prática de swordplay” que aconteceu durante a feira medieval, na Quinta da Boa Vista – Rio de Janeiro – RJ, em junho de 2017. O vídeo foi postado nas redes sociais (facebook) pelo grupo que o protagonizou, a Casa Vieira Turaine, na comunidades“liga xablau de swordplay – free post” e causou uma séria discussão com os membros das listas. Quando este texto tinha começado a ser escrito, no dia 30/06/2017, o vídeo em questão já tinha mais de 70 comentários. Eu vou fazer upload de uma cópia deste vídeo no final deste artigo para que se tenha noção exata do que estamos falando.

Mas antes de começar o artigo propriamente dito eu tenho que fugir das possíveis digressões que as falácias do tipo “escocês de verdade” podem produzir. E para isso me proponho a responder a pergunta a seguir, de forma bem direta: o que é swordplay?

Swordplay é qualquer ação humana, seja ela de treino funcional, treino físico, treino marcial, competição, brincadeira, encenação ou diversão que envolva espadas ou simulacros de espadas. Dessa forma, se você treina kendo/kenjutsu é swordplay; se você treina softcombate é swordplay; se você treina HEMA é swordplay; se você faz coreografia de lutas para o teatro ou cinema é swordplay; se você imita as coreografias de guerra nas estrelas é swordplay; se você treina boffer swordplay com seus amigos é swordplay; se você vai jogar o reizado, nas ruas de Juazeiro do Norte, batendo espadas é swordplay... Enfim, tem espada no meio... bom você já entendeu.

Então o que se vê no vídeo é swordplay. Você pode não gostar, pode não aprovar, pode até mesmo querer experimentar, mas não pode dizer que aquilo ali exposto não é swordplay. Segundo as pessoas que o protagonizaram, ele reflete a prática do softcombate, imitando as regras do Battle of the Nations, mas sem armaduras. Ou seja, bater na cabeça dos outros com um simulacro de espada até que um dos oponentes esteja no chão. E no evento em questão as três ambulâncias que estavam disponíveis foram usadas para socorrer pessoas que se feriam na prática, que no facebook ganhou o título de “swordplay de respeito”.  

Uai Betão, mas se é swordplay por que todo o fuzz envolvendo o vídeo? Porque ele não é seguro. Ele não é são. Ele não é simpático.  Assim como qualquer modalidade esportiva que se preza, o swordplay deve seguir uma diretriz de “SSS”. Sadio/são, Seguro e Simpático.

Sadio/São - Referência aqui à sanidade da pratica esportiva, ou seja, o que acontece na relação não pode deve afetar negativamente outros aspectos da vida da pessoa, como família, trabalho e amigos. As atividades relacionadas ao swordplay são caracterizadas pela sua profundidade e intensidade. Os sentimentos ocorrem em fluxo, e com trocas constantes de honra, habilidade, lealdade, honestidade, desenvolvimento pessoal e confiança na mistura. Como em qualquer arte marcial os sentimentos devem ser treinados e educados, junto com o corpo, a mente e o espírito.

Seguro - Esta é a área que trata especificamente dos riscos físicos envolvidos no processo. O universo do swordplay é formado em sua essência por atividades físicas de contato, através das espadas, que podem ser verdadeiras ou simulacros. A segurança tem a ver diretamente com a capacitação e o cuidado no uso destes recursos. Existem dezenas de estudos e trabalhos publicados afirmando dos perigos da prática esportiva sem o devido cuidado com as normas e regras de segurança.

Simpático – essa parte tem muito mais a ver com a sua relação com outro. A maneira como você percebe o outro e como você reage ao outro. Muito mais do que o simples trato pessoal, a simpatia envolvendo o swordplay trabalha com a ideia ética do “cuidado com próximo”. Em muitos casos eu não preciso de um juiz: a simples palavra do outro me basta.

Não sei como funciona no Softcombate, mas no Boffer Swordplay a honestidade e a humildade com nossos oponentes falam mais alto do que um par de músculos. Isso é respeito de verdade.

Uma coisa que eu aprendi com o passar dos anos em que o indivíduo é inteligente, mas o grupo de pessoas é burro. Basta uma postagem sensacionalista de um pai preocupado sobre os malefícios desse terrível swordplay, onde o rapaz saiu com nariz machucado, ou com o supercílio aberto, para vermos uma verdadeira caça às bruxas relacionada ao nosso querido esporte. E digo isso com conhecimento de causa. Além de praticar swordplay eu também jogo RPG faz muitos anos. E na minha cabeça ainda está muito vivida a memória de quando o RPG foi associado com crimes de assassinato no Brasil, onde se você perdesse o jogo tinha que pagar com a vida. Tão absurdo quanto possa parecer essas palavras, foi assim que durante muito tempo a mídia mostrou as pessoas que jogam RPG. Ainda hoje, vira e mexe, a mídia sensacionalista desenterra o assunto querendo colocar a culpa de alguma coisa no RPG. Já fizeram com Assassin’s Creed, uma franquia multimilionária da Ubisoft. Por que não poderiam fazer a mesma coisa conosco? Será que queremos a mesma coisa com swordplay?

Veja bem: se eu me meto a jogar futebol com meus colegas, entendendo que do pescoço para baixo é tudo canela e que você pode bater à vontade, ninguém no Brasil inteiro vai querer proibir o campeonato brasileiro de futebol.

Agora se eu vou para uma feira medieval e começo a espancar os outros com uma espada de espuma até que o cara saia de lá direto para uma ambulância, as pessoas vão querer proibir essa prática por ela ser extremamente violenta. E não vão querer proibir apenas o Softcombate Swordplay da Casa Vieira Turaine. Vão colocar todos no mesmo saco e proibir.  E não pensem que não podem fazer isso. Por causa dos famosos “Caso de Ouro Preto” e do  “Caso Guarapari” envolvendo RPG, nos anos 2000, existe uma lei proibindo o jogo de RPG na cidade do Espírito Santo:

Art. 1º – Fica proibida a exposição e comercialização, em bancas de jornais e revista e demais estabelecimentos congêneres, de CDs, DVDs, Livros e demais publicações referentes a “Jogos de Interpretação de Personagens”, conhecidos como RPG – Role-playing game. (lei nº 2605, de setembro de 2005). No site da Câmara Municipal, consta que a lei ainda está em vigor.

É óbvio que se trata de uma lei inconstitucional, pois estabelece censura prévia, violando liberdade de expressão expressamente garantida pela Constituição. Até aqui na minha vizinha Minas Gerais, onde um procurador federal propôs a proibição de livros e dvds destinados a jogos de RPG, já se chegou à conclusão de que não se pode proibir a circulação dos livros, sendo permitida apenas a classificação indicativa do material. Mas não é isso que vem ao caso. A pergunta que eu faço é: você quer que seja feita uma lei proibindo o Swordplay, por conta de como meia dúzia de irresponsáveis apresenta a prática por aí?

Eu não conheço nenhum pai ou mãe que depois de ver um vídeo como esse vai deixar o filho dele chegar a menos de 100 metros de uma arena de swordplay.

“Ah Betão mas é todo mundo maior de idade!” Sim eu já sei disso. Mas se você não quer que o esporte morra quando você ficar paraplégico, depois de levar uma canada na coluna, não é mesmo?

É melhor que comecemos a olhar direitinho o que é que estão fazendo com o nome do esporte que nos une a todos. E essas não apenas preocupações minhas. Nas palavras de Daniel Aureliano, que esteve presente no evento “Mas o pior de tudo foi a imagem que ficou depois, pais preocupados de deixar o filho participar da arena de swordplay achando que era a mesma pratica... Pois viram a violência desnecessária e pessoas saindo sangrando... Aos olhos leigos tudo e a mesma coisa e isto macha de sangue e preconceito nossa atividade”. Seguindo com as palavras de Felipe Almeida (praticante de Softscombate Swordplay e Reencenação Histórica): “Além de não ser softcombate, pode manchar a modalidade e afetar todos que praticam o soft com segurança e responsabilidade”.

Percebam que eu não estou proibindo a casa Turaine de Vieira ou seja lá quem for de jogar swordplay como achar melhor. Quem dera eu tivesse esse poder. Mas não vou me furtar de criticar uma postura irresponsável como a que foi demonstrada no vídeo, uma vez que ela não afeta apenas quem foi "passear de ambulância", mas também afeta outros grupos – esses sim formados por pessoas de comportamento mais sadio e feliz e que não precisam de extrema violência gratuita e aberta para se divertirem. Mesmo sendo alvo de minha preocupação, por serem seres humanos, o que cada grupo faz em seu particular não me compete proibir ou abençoar. Mas quando o reflexo do que você faz pode afetar negativamente a minha diversão, eu sou obrigado a me intrometer.

“Mas Betão, ninguém foi obrigado a participar da atividade. Todos foram porque quiseram”. Ok, ninguém foi obrigado a participar. Isso não foi questionado. Mas o efeito do que foi praticado pode – e deve – ser questionado. Ninguém foi obrigado a ver aquele espetáculo, mas todos saem de lá com alguma ideia sobre o que viram. E para alguns, aquilo ali é que vai ser a ideia que se vai ter quando perguntarem o que é swordplay. Pode ser que você que está lendo isso esteja cagando para o que os outros pensem, mas eu me preocupo, porque eu trabalho com público. Porque eu já vi esse tipo de merda virar uma coisa muito maior. Nos jogos interclasse deste ano teremos swordplay na minha escola. Da mesma forma que foi feito no ano passado. Mas duvido que eu conseguisse colocar a modalidade se o meu diretor buscasse por swordpay no google e caísse neste vídeo.

Por fim quero encerrar este artigo com uma frase endereçada a mim pelo dono do perfil “Vieira Turaine”: “Meu ponto de vista é. tu fala que e perigoso e que é para a gente parar. Eu digo que não vamos. logo se tu quiser que isso pare tu tem que tomar alguma atitude outra que não seja escrever na net”.

“Valberto Filho”: “Querido, eu não vou sair no braço com você, se é isso que você quer saber. Mesmo que eu fizesse isso só mostraria, naquele momento, quem bate mais forte. Não resolveria nada. Nada. Se você quer continuar se estapeando como você faz eu não posso fazer nada além de criticar. Porque se eu fizer qualquer outra coisa vou estar interferindo no seu direito constitucional de fazer o que deseja, desde que dentro da lei. E criminoso é uma coisa que eu não sou. Por isso, sonhe que você está me agredindo. O sonho é livre”.



5 comentários:

  1. Outro artigo digno de palmas... Não teria expressado melhor nossos sentimentos em relação ao assunto.

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  2. Parabéns pelo artigo cara, uma luz no meio da situação toda.

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  3. Simplesmente tudo oq penso sobre o assunto do video... Não acho que eles deviam parar com a prática, mas talvez, botar mais responsabilidade ao transpassar a atividade para um publico leigo. Para q possamos trazer mais atletas para o esporte e nao simplesmente mais brutamontes com sangue nos olhos

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