segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Abuso de poder no swordplay

Mais um artigo, mas dessa vez a sugestão foi dada pelo meu amigo Victor da Silva.

Olá Betão. Queria que você fizesse um texto em seu blog a respeito do abuso de autoridade no swordplay. Ou seja, o cara que tem a patente maior, ou sua patente pertence à nobreza que comanda as patentes menores, desmerece pessoas que tem patente menor, não escuta ideias do grupo, chegam até humilhar, enfim. A falta de humildade com as pessoas que alguns líderes têm. Um texto sobre a liderança resumindo, só isso.
Valeu, abraços.
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“Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder” (Abraham Lincoln)
Um aviso antes de começarmos. Se você não gosta de filosofia e acha que é tudo loucura da esquerda pare de ler por aqui. Tenho outros artigos aqui no blog que você pode se interessar. Mas esse aqui, especificamente, eu trabalho sob a ótica da filosofia. Para ser mais exata, a ótica prevista pelo autor Michel Foucault (pronuncia-se Fuucô).

Na sua obra “Vigiar e Punir”, Foucault apresenta um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna. Nas palavras parafraseadas do autor “uma técnica de produção de corpos dóceis”. Foucault analisou os processos disciplinares empregados nas prisões, considerando-os exemplos da imposição, às pessoas, e padrões "normais" de conduta estabelecida pelas ciências sociais. A partir desse trabalho, explicitou-se a noção de que as formas de pensamento são também relações de poder, que implicam a coerção e imposição.

Aliás, todas as nossas relações com os outros são relações de poder. Ao contrário do que a maioria das pessoas acredita o poder não vem apenas de forma piramidal, vindo do topo para a sua base, mas sim acontece em formato de “teia”, espalhando-se em várias direções. Esses “micro poderes” estão presentes na obra de Foucault. Ele afirma também que não é possível possuir o poder, como se fosse um objeto, mas tão somente fazer uso prático do poder.

“Tá bom... eu te dei uma chance Betão. Tô aqui faz três parágrafos ouvindo falar sobre esse filósofo que mais parece o ‘Tio Chico’ (uncle Fester/tio Funério) da família Adams e ainda não entendi o que picas isso tem a ver com o seu artigo”, perguntou o rapaz com bata branca e cabelos desgrenhados, magro como um sibito, portando duas adagas de EVA.

Ora meu amigo, as relações que temos uns com os outros são relações práticas de poder. Logo, o abuso por parte dos líderes nada mais é do que um crime de poder. É uma forma de controle social, em que a submissão do outro é o que importa.

“Grandes poderes trazem grandes responsabilidades!” (Stan Lee/Ben Parker).
“Poder corrompe. Poder absoluto corrompe absolutamente”. (John Emerich Edward Dalberg-Acton – putz! e eu sempre pensei que era de Rousseau!)
As consequências de um tratamento grosseiro no ambiente de treino são sérias e comprometem o resultado do grupo como um todo. “O jogador fica menos criativo, produz menos, joga com menos qualidade, se torna menos ousado e, no limite, deixa de jogar”, afirma a estudante de psicologia e ex-jogadora Mariana F. Lima. Além disso, uma pessoa maltratada num local que deveria ser uma fonte de alegria e prazer reage de forma negativa, em certos casos retaliando abertamente.

Tanto homens quanto mulheres fazem parte desse time, indiscriminadamente. A diferença está em como cada um se manifesta. Enquanto eles reagem de maneira ostensiva, gritando impropérios, por exemplo, elas não usam palavrões nem aumentam a voz, mas sabem exatamente como ser cruéis e abalar a autoestima do colega jogador.

Os motivos para atitudes desse tipo são variados: vão desde o líder de clã inseguro que precisa se respaldar no medo do subordinado para se sentir competente até aquele que é assim por puro prazer ou falta de informação.

O pior é que este comportamento rude, de abuso de poder, tende a ser copiado. Estatisticamente falando um a cada quatro jogadores acreditam que ser líder “é ser bruto e grosseiro”. Essa é a mesma estatística revelada por uma pesquisa americana que lida com o abuso de poder no ambiente corporativo. Ainda há os que acreditam piamente que estão fazendo um favor a seus colegas de treino.  “É a síndrome do treinamento de anime”, como afirma Mariana, “eles agem de forma rude, pois acreditam que isso ajuda seus comandados a aguentar a pressão. Como se fosse um treinamento para que as pessoas sejam mais fortes”.

“Você é a doença, eu sou a cura” (Sylvester Stallone)
“E como lidar com isso tudo?”, pergunta a menina baixinha de cabelos encaracolados que está terminando de por silver tape numa lança novinha. Ao entender que se trata de uma relação de poder, você deve interromper o fluxo de poder daquela pessoa.

Com a ajuda da Mariana eu elenquei 6 atitudes que você pode tomar para ajudar a resolver sua questão.

1 Seja racional. Enfrente a situação como se fosse mais uma tarefa do dia-a-dia, sem deixar a emoção interferir. Chorar ou sair correndo não ajuda, tão pouco guardar os sentimentos ruins para si e ficar chateado também não. O ignorante é ele, não você. Seja educado, porém firme: “Olha Paulo mesmo sendo líder você não tem o direito de falar comigo dessa forma. Exijo que você demande a mim o mesmo respeito que eu demando a você”.

2 Evite o confronto (se possível). Evitar conflitos é mais inteligente a se fazer, mas tem horas que você simplesmente não consegue. Nessas horas não caia na tentação de usar as armas da oposição. Seja simples, assertivo e firme. “Escute aqui Lucas, eu entendo que a estrutura do nosso grupo tem uma estrutura militar, mas acho que você está abusando de sua posição de liderança. Aqui não é o exército. Estamos aqui todos para nos divertir e não para ser humilhados. O trabalho do líder é nos guiar para que possamos melhorar e não nos fazer sentir pior a cada vez”.  

3 Mantenha a tranquilidade. Fale com seu líder tirânico o mais baixo e calmamente possível, como se nada estivesse acontecendo. Em algumas situações, vale até pedir para ele repetir alguma ordem, caso você não tenha entendido. E pense sempre antes de responder a uma grosseria.  “Dá para repetir, por favor, Andréia? Não entendi o que é para fazer”.

4 Lembre-se do Capitão Planeta (ah como me senti velho agora): o poder é de vocês. Ele é o líder do grupo, certo? Mas ele só é líder do grupo porque existe um grupo. E o grupo só existe porque tem pessoas que o frequentam. Ou seja, é você e seus colegas que permitem que o líder chato os trate assim. A partir do momento em que vocês se organizam e demandam o tratamento adequado das duas uma: ou o cara se conscientiza e muda ou ele se muda do time.

5 Escancare o verbo. Se ser discreto não está funcionando jogue a merda no ventilador na frente de todo mundo. Busque o conselho do reino ou se uma a outros colegas para exigir o seu direito: o de ser tratado de forma digna. Porque, no fim das contas, um título é só isso: um título. Não vale nada.


6 Se nada mais deu certo, parta para outra. Ficar no grupo quando o abuso continua só vai piorar para você. Saia de lá e monte seu próprio grupo. Contate os descontentes com a atual gestão e bola para frente. O importante é ser feliz.  

2 comentários:

  1. Bela argumentação. Sou de um grupo de swordplay e Larp que passou por poucas e boas por causa da má conduta de quem detém o poder. Estamos nos resolvendo agora de maneira mais correta, porém é sempre bom lembrar todo dia dos nossos erros e fazer o possível para não repeti-los.
    Compartilharei a mensagem, pois serve para todos.

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  2. Bela argumentação. Sou de um grupo de swordplay e Larp que passou por poucas e boas por causa da má conduta de quem detém o poder. Estamos nos resolvendo agora de maneira mais correta, porém é sempre bom lembrar todo dia dos nossos erros e fazer o possível para não repeti-los.
    Compartilharei a mensagem, pois serve para todos.

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