Fair play, Neymar, Swordplay
e jeitinho brasileiro.
A copa do mundo de 2018
chegou ao fim com o bicampeonato da França, o uso (ou não) do árbitro de vídeo
(VAR) e algumas surpresas bem interessantes. Grandes medalhões ficaram pelo
caminho, como a Argentina de Messi, o Portugal de Cristiano Ronaldo e a Alemanha,
que foi eliminada pela (já eliminada) Coréia do Sul. Times sem muita tradição futebolística
foram muito longe (Rússia, Croácia, Suíça...) enquanto que países de muita
tradição (Brasil, estou olhando para você!) ficaram pelo caminho.
Ao final do campeonato, a
nova geopolítica do futebol mundial se estabelece e vamos entrando na segunda década
de espera pelo tal hexa. No fim do campeonato, mesmo sendo derrotados,
jogadores como Messi, CR7, Harry Kane saíram fortalecidos. O mesmo não pode ser
dito da seleção brasileira, que amargou mais um fiasco. E muito menos pode ser
dito de seu maior astro em campo (ou não): Neymar Jr, que a imprensa insiste em
chamar de “menino ney” (porra, o cara já tem 26 anos!). Finda a copa e o que
resta para Neymar é amargar ser a piada do mundial. Neymar virou sinônimo de “cair”,
alorizar quedas, fazer teatrinho, jogo catimbeiro.
Talvez um sinal dos tempos,
mas Neymar não estava fazendo nada além do que a escola sulamericana de futebol
ensina. Catimba, manha, dengo, valorização de falta... tudo para ganhar alguma
vantagem. No futebol ninguém se importa se o mundial veio na raça ou se foi
roubado. Dizer que o soco que Maradona deu na bola, no campeonato de 1986, fez
apenas parte do jogo ou era “la mana de dios” (a mão de deus) é no mínimo falta
de caráter. Educado neste ambiente Neymar tentou fazer o que lhe fora ensinado,
mas, canastrão como a sua namorada, fez uma atuação exagerada que lhe valeu a
pena de “cai-cai”. Ninguém, nem no seu país ou fora dele o leva a sério.
E de onde vem essa ideia de
ganhar vantagem a todo custo? Não se sabe ao certo, mas podemos traçar parte de
sua origem com o meio campista Gérson, jogador da década de 80. A expressão
nasceu em meados da década de 80 numa entrevista para a revista
Isto É.
Foi nesta entrevista que que o jornalista Maurício Dias batizou como "Lei de Gérson" o desejo
que grande parte dos brasileiros tem de levar vantagem em tudo. A tal “Lei de
Gérson”, o costume de levar vantagem em tudo, acabou se tornando um traço não
oficial, porém permanente, da mídia, da personalidade e do futebol brasileiro.
Neymar não está sozinho
nessa. Comentaristas como Galvão Bueno insinuam o tempo todo vantagens que um jogador
pode ter se valorizar uma falta ou se agir de forma ilegal, contando com a “falta
de visão do árbitro”. Esta atitude resumia (e talvez ainda resuma) o pensamento
de uma boa parte dos brasileiros, ou seja, egoísta, capaz de qualquer coisa
para levar vantagem, mesmo que seja imoral ou ilegal. Nada disso importa, o que
importa é se dar bem.
E o que diabos isso tem a
ver com o swordplay?
Diferentemente de outros esportes/modalidades
esportivas onde o objetivo é simplesmente vencer ou mostrar quem é o mais
forte, o swordplay trabalha um conceito diferente. Você é o seu próprio juiz. É
você que deve avisar quando o golpe do adversário pegar você em cheio. Não existe
VAR, nem sensores de toque na sua roupa, nem 4 árbitros circundando o octógono.
É você que vai se acusar. Você vai dizer que perdeu.
E por que eu faria uma coisa
idiota dessas? Porque é a coisa certa a fazer. Porque, se você joga swordplay,
é isso que você vai fazer. Porque a sua palavra vale mais do que um prêmio sem
merecimento. Um troféu vazio que vai adornar sua estante pelos anos que virão não
vai ter valor nenhum se foi conquistado com “la mana de dios”. Aliás, é bem
possível que ele seja até mesmo um motivo de vergonha: tomara que toda vez que
olhar para ele, você ouça “trapaceiro/trapaceira” bem dentro da sua cabeça.
Por ser diferente e por
permitir que você se auto-acuse, o swordplay pressupõe outra coisa: a sua
palavra tem valor. As pessoas acreditem em você. Quando você diz que sentiu o
golpe mais duro, o seu oponente vai maneirar nas próximas pancadas; quando você
diz que o golpe pegou numa área proibida o seu colega vai se desculpar e sair
do jogo; quando você diz que o golpe não pegou numa área mortal o seu oponente
vai aceitar e continuar lutando. E se você fizer diferente disso? Se você mentir?
Bem, cedo ou tarde todos vão saber. E você vai ficar com a fama de higlander,
de trapaceiro, de mentiroso, de neymar... e ninguém mais vai querer jogar com você
– ou mesmo pior: ninguém mais vai acreditar na sua palavra.
Por essa dualidade de “auto-acusação
e fé publica” é que posturas como “cantar golpes”, “bater com força” e “não
aceitar golpes” são duramente repreendidas em grupos sérios. Não é o caso de você
ser sempre 100% certinho e honesto, mas é o fato de você tentar agir dessa
forma, negando a trapaça e exigindo o mesmo de seus colegas.
É dessa forma que se
constrói o fair play (jogo limpo/ jogo honesto/ jogo justo) onde o importante
não é vencer o outro e sim superar seus próprios limites. Sim, eu sei que
vencer é bom. Eu gosto de vencer. Mas não acho que vale à pena vencer a
qualquer custo. Hoje no pega-bandeira o meu time bateu cabeça e perdemos de 7 a
3 (foi quase um 7x1!). Mas quer saber de uma coisa? Eu posso colocar minha
cabeça no travesseiro esta noite e dormir o sono dos justos, sabendo que eu dei
o melhor. O meu melhor. Sei também que o time que venceu pode fazer o mesmo.
Pois eles também deram o seus melhores.
Cabe a você decidir: fica
com o jeitinho brasileiro? Com a espada de wave monstruosa? A armadura ilegal? A
exploração indevida de uma regra para obter ganhos ilícitos? Ou vai atrás de
alguma coisa melhor?
Em tempo: Neymar Jr ganha mais
em um ano do que eu vou ganhar em toda a minha vida (a não ser que eu ganhe na
mega da virada), mas nem todo dinheiro do mundo compram respeito ou dignidade.
Adorei o post, Valberto.
ResponderExcluirSe me permite, vou replicá-lo num grupo que administro para que possa ser usado de exemplo. Ainda temos muitos highlanders e muitas espadas-chicotes por aí, mas um dia as coisas hão de melhorar e teremos um swordplay mais sadio e mais honesto.